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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Análise literária - elementos da narrativa

Analisar como os vários elementos que compõem a narrativa literária

Narrativa

Questionamento: a obra literária tem mesmo sentido? Se considerarmos a obra como a maior unidade literária, não. Isso porque o sentido se estabelece de um nível para outro maior. E não haveria nada superior à obra literária. Contudo, a obra não tem existência independente. Ela está relacionada a um universo literário povoado por obras já existentes. Logo, pode haver algo superior a ela que lhe concede, portanto, sentido.

A obra literária está dividida entre história e discurso.

História: porque evoca certa realidade, acontecimentos verídicos, personagens que podem ser confundidos com reais.

Discurso: porque há narrador que relata e leitor que percebe. A maneira pela qual o narrador conta é que importa. Esse discurso é a construção estética da narrativa.

Obs.: Não há uma cronologia perfeita na história quando há mais de um personagem focado. Para evitar isso, só descrevendo o que um está fazendo lá enquanto este outro se manifesta aqui; A história é sempre uma abstração, pois é percebida e narrada por alguém, não existe "em si".

História

Lógica das ações

Na narrativa há repetições, para a retórica. Um exemplo disso é a antítese, a gradação, o paralelismo.

Se pensarmos na Tríade de Bremond, a narrativa é formada por uma série de micronarrativas. Estas são compostas por três partes: tentativa de projeto, pretensão e perigo. Isso remete à uma saga básica do herói na narrativa.

A sucessão de ações não é arbitrária, mas obedece à certa lógica: Projeto → Obstáculo → Perigo → Resistência ou Fuga.

Personagens suas relações

As relações entre personagens são definidos basicamente pelos Predicados da Base. Os três predicados básicos são: desejo (amor), comunicação (confidência) e participação (ajuda; subordinada ao desejo).

Esses predicados são ramificados seguindo as Regras de Derivação, regras estas que fazem com que surjam relações derivadas das três da base. E dessa regra nasce a ligação entre predicado de base e predicado derivado.

1. Derivação pela regra de oposição: cada predicado-base tem seu predicado oposto. Esses opostos estão menos presentes do que seus pares positivos. A oposição da confidência, por exemplo, é tornar o segredo público, exibi-lo. Outro exemplo: ato de ajudar ↔ ato de impedir.

2. Derivação pela regra do passivo: da voz ativa para a voz passiva. Essa regra mostra o parentesco de duas proposições já existentes.

O ser e o parecer

Aparência não coincide necessariamente com a essência da relação, embora se trate da mesma pessoa e do mesmo momento. A tomada de consciência ocorre quando um personagem se dá conta de que a relação que tem com outro personagem não é a que acreditava ter.

Transformações pessoais

Quando há mudanças nas relações pessoais, há o surgimento de novos predicados.

Discurso

A narrativa é parole, ou seja, discurso. É propositalmente dirigida a um leitor.

Tempo da narrativa

Exprime a relação entre tempo da história e do discurso.

Há diferença entre a temporalidade da história e a do discurso. Enquanto o do discurso é linear, o da história é pluridimensional.

Na história, há a deformação da sucessão natural porque utiliza-se essa deformação para certos fins estéticos. Já no discurso os acontecimentos são obrigatoriamente lineares.

Deformação temporal

Há efeitos muito diferentes de acordo como os fatos são dispostos. Do mesmo modo como ocorre com sons e versos, ocorre com os acontecimentos da narrativa. Em suma, muda-se o discurso com esses diferentes encadeamentos.

Encadeamento, alternância, encaixamento

Pode haver várias histórias dentro de uma narrativa. E essas histórias estão ligadas de alguma maneira:

Encadeamento: há uma justaposição das histórias. Acaba uma história, começa outra. Está ligada à coordenação. A unidade se dá pela semelhança na construção das histórias.

Encaixamento: uma história é inserida na outra. Está ligada à subordinação.

Alternância: conta-se as histórias simultaneamente, interrompendo uma para começar outra para, por fim, retomar a primeira. Esse tipo perdeu totalmente a ligação com a literatura oral, onde não pode haver essa quebra.

Tempo da escritura, tempo da leitura

O tempo da escritura corresponde ao tempo da enunciação. Já o tempo da leitura corresponde ao tempo da percepção. O da enunciação pode se tornar elemento literário se o narrador falar de sua própria narrativa. Na narrativa de uma narração, voltada para si mesma, o tempo da enunciação é o único presente. O tempo da percepção é um tempo irreversível que mostra nossa percepção do conjunto.

Aspectos da narrativa

É a maneira pela qual a história é percebida pelo narrador. Reflete a relação entre um "ele" (na história) e um "eu" no discurso. Há a percepção do leitor e a percepção de quem descreve.

Narrador > Personagem: Narrador sabe mais que o personagem. Não há segredos para o narrador, e este não conta como sabe tudo isso. Abarca uma série de visões que os personagens não teriam por inteiro.

Narrador = Personagem: Os dois sabem o mesmo. Pode ser na 1ª pessoa ou na 3ª pessoa, mas sempre de acordo com a visão de um único personagem.

Narrador < Personagem: Narrador sabe tão pouco quanto seus personagens, até menos. Pode descrever o que capta pelos sentidos, mas não consciências. É puro sensualismo.

Obs.:

No Narrador = Personagem, estes contam ou vêem o mesmo acontecimento (esteroscopia) ou muitos acontecimentos diferentes.

O método de observar através de projeções da consciência dos personagens surgiu no século XIX com Henry James e consagrou-se no século XX. No Iluminismo isso não havia porque primavam pela verdade. Já os romances do século XIX vão se contentar com o parecer.

Modos da narrativa

Dependem do discurso utilizado pelo autor. Esse discurso pode se dar pela narração ou pela representação.

Crônica → História → Narração: autor é pura testemunha, faz apenas um relato dos fatos. Os personagens não têm voz.

Drama → Discurso → Representação: não há narração. Esta está contida na réplica dos personagens.

Fala dos personagens, fala do narrador

O texto mescla estilo direto (dos personagens) com falas do narrador. Enquanto na representação assistimos ao ato, na narração há mediação.

Objetividade e subjetividade na linguagem

Toda fala possui:

Enunciado: sujeito do enunciado objetivo.

Enunciação: sujeito da enunciação subjetivo.

Remete à teoria de John Austin: constatativo (objetivo) e performativo (subjetivo). Pronomes pessoais e demonstrativos, tempos do verbo: todos subjetivos.

Aspectos e modos

Cênico: representação e visão do tipo Narrador = Personagem

Panorâmico: narração e visão do tipo Narrador > Personagem

Imagem do narrador e imagem do leitor

O narrador é o sujeito da enunciação. Ele é que faz uma série de escolhas.

A imagem do leitor aparece junto da do narrador. É a lei semiológica de que o emissor e receptor de um enunciado aparecem sempre juntos.

Ao lermos o livro do começo ao fim, cumprimos o papel do leitor. Sabemos, de certa forma, mais que os personagens.

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